terça-feira, 24 de novembro de 2009

UMA FACA DE DOIS GUMES

Lucrativa e polêmica, a lan-house é tema de discussão entre mãe e filho

Por Jaqueline Ferreira
Técnica mista- AV2


Noventa mil. É esse o número de lan-houses em funcionamento no Brasil, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas. Número muito superior ao de livrarias, que chega à marca de apenas 2,6 mil e de salas de cinema, que são no total 2,3 mil. Segundo levantamento do Comitê Gestor de Internet no Brasil, em 2007, o acesso à internet a partir de lan-houses chegou a 49%, ultrapassando os 40% do acesso doméstico.

John Kennedy Ramos é dono de lan-house há um ano. Resolveu abrir o negócio porque gosta de lidar com as pessoas e se interessa por tecnologia. Ele conta que o espaço é democrático, sendo freqüentado por diferentes faixas etárias:

― A minha lan recebe crianças a partir de 7 anos e adultos de até 70 anos. Muitos vêm aqui por
divertimento, outros para passar o tempo enquanto esperam o ônibus da escola. Além daqueles que vêm fazer trabalhos, pesquisar e baixar músicas.

Além de atender os clientes, John observa os efeitos que o uso exagerado da rede provoca em suas vidas:


― Acho que as pessoas têm que saber usar. Hoje, entramos no Orkut e damos parabéns a nosso vizinho. Mas seria muito melhor se fôssemos a sua casa, dar os parabéns pessoalmente. Usamos o MSN e conversamos horas com uma pessoa e quando a encontramos na rua nem damos bola pra ela. Este lado é ruim, mas em contrapartida, mantemos contato com amigos, parentes de cidades distantes e até de outros países. Então, vai de cada um.

Contradições em família
Heroínas da inclusão digital, negócio lucrativo para uns e motivo de dilemas na vida de outros. A doméstica Maria Helena da Conceição Emitério, de 36 anos, já teve muitas dores de cabeça por causa das idas constantes de seu filho mais velho à lan-house.

― O Cayke vai muito na lan. Tem vezes que ele chega em casa uma, uma e meia da manhã. Ele não dorme direito e durante o sono fica agitado como se estivesse no jogo. Ele fala muito à noite.
Esse exagero diante da tela do computador já foi motivo de briga entre os dois. Helena conta que uma vez o jovem passou o dia inteiro jogando e precisou ir buscá-lo.

― Nesse dia ele ficou de oito horas da manhã até uma e meia da madrugada. Fiquei preocupada, imaginando todo o tipo de coisa. Quando o encontrei na lan-house jogando, tive que brigar com ele. Nos entendemos e agora ele vai menos.

Contradizendo a mãe, o estudante Cayke Emiterio, 15 anos, não admite que fica tanto tempo assim na lan-house.

―Vou todo dia. Tem vezes que fico três, cinco horas mexendo no computador. Não é vício. O que sinto quando estou na frente do computador é uma alegria. Vício é quando você entra na lan quando ela abre e sai quando ela fecha. Nunca deixei de fazer alguma coisa ou de ir a algum lugar por causa da lan-house. Eu sei controlar o tempo.

No entanto, o adolescente confessa que já gastou mais do que deveria com os jogos.

― Já cheguei a gastar em um dia 25 reais. Deixei de comprar coisas importantes como boné, chinelo e até pão para tomar café de manhã. Eu prefiro jogar do que gastar dinheiro em outras coisas. Mas, quando eu não tenho dinheiro, levo numa boa e se em Sumidouro tivesse mais coisas pra se fazer eu não iria tanto. Minha mãe não gosta que eu esbanje. Só que a internet para mim é essencial. Você tem acesso a música, vídeos e conhece muitas pessoas.

Nativos digitais
Parece absurdo deixar de comprar o pão do café da manhã e, ao mesmo tempo, não se considerar viciado em internet. No entanto, Cayke pertence a uma geração que nasceu conectada à rede. Nem sempre é vício, é necessidade de informação e entretenimento. Porém, os chamados "imigrantes digitais" têm dificuldade de entender a relação dos "nativos" com as máquinas.

A expressão "nativos digitais" começou a ser usada em 2007, por Marc Prensky, pensador e desenvolvedor de jogos. Ele se refere às pessoas que nasceram depois dos anos 80 e hoje representam 50% da população ativa. Os "imigrante", são aqueles que estão se adaptando à tecnologia, mas ainda fazem escolhas "analógicas" como ler livros e jornais impressos, descartando a notícia e as obras disponíveis na web.

O fascínio do adolescente Cayke pela lan-house, também se deve ao fato de não encontrar outras opções de lazer, na cidade onde vive. Sumidouro possui apenas uma sala de cinema e não conta com a presença de shows, peças de teatro ou oficinas recreativas.

Ao ser perguntado se a lan-house já o atrapalhou nos estudos, ele responde constrangido que não. A mãe reconhece que o desempenho escolar não é o ideal, porém, a causa é outra:

―Todo adolescente tem problemas. É coisa da idade.

Com as outras filhas, Leonara, de 11 anos, e Nicole, de 9, Helena é mais rígida, mas reconhece que o computador é uma ferramenta importante.

― As meninas vão de vez em quando, aos domingos. Sempre dou um real ou dois pra elas ficarem uma hora. Acho importante elas terem contato com o computador.

Contato que a própria Helena também quer ter.

― Tenho muita curiosidade e quero entrar nesse mundo para conhecer pessoas, conversar com elas e visitar outros lugares. Ainda não fui a lan-house para usar o computador. Não sei mexer. Meu filho falou que ia me ensinar, mas até agora nada.










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