segunda-feira, 7 de abril de 2008

A GEOGRAFIA DA FOME

Apesar das riquezas naturais do país, é grande o número de brasileiros que não têm o que comer

Por Luísa Toledo

No Brasil, a cada cinco minutos morre uma criança. A maioria de doenças da fome. Flávio Valente, médico, voluntário em campanhas contra desnutrição e obcecado pelos números, pesquisou dados oficiais. Existem, pelo menos, trinta e seis milhões de brasileiros que nunca sabem quando terão a próxima refeição.

O Brasil tem capacidade de produzir alimento bastante para o consumo interno e para a exportação. A combinação das redes pública e particulares de armazéns é capaz de atingir toda a população, em qualquer parte do país. Apesar disso, existe gente passando fome porque a renda familiar da grande maioria dos brasileiros não permite comprar a comida que o mercado oferece.

As raízes da fome estão, especialmente, na distribuição iníqua da renda e das riquezas, que se concentram nas mãos de poucos, deixando, na pobreza, enormes contingentes populacionais nas periferias urbanas e nas áreas rurais. Uma tragédia a conta gotas, dispersa, silenciosa, escondida nos rincões e nas periferias. Tão escondida que o Brasil que come não enxerga o Brasil que tem fome. E aí, a fome, vira só número, estatística. Como se o número não trouxesse junto com ele, dramas, histórias, nomes.

O Povoado de Santa Úrsula, no Sertão da Bahia virou cidade fantasma, assim como grande parte do semi-árido nordestino e mineiro. A migração para as grandes cidades tornou-se "solução" para o povo injustiçado. Enquanto as melhores terras destinam-se à monocultura de cultivos para a exportação, como café, cana, algodão, soja e laranja, cerca de 32 milhões de pessoas passam fome no país e outros 62 milhões alimentam-se de forma precária. Desses 32 milhões que passam fome, metade vive no meio rural.

Isso explica a migração para a cidade, que aumentou visivelmente nos últimos 30 anos. Hoje, mais de 77% da população brasileira vive nas cidades. Por isso a concentração de terras nas mãos de fazendeiros tem aumentado muito nos últimos anos.

A fome continua. Não como clichê, mas continua como presença cheia de sentido e absurdo na geografia nacional, cavando sulcos nas caras da gente injustiçada, abrindo vergonhosas crateras na vida social dos brasileiros. É preciso que a fome deixe de ser um fato isolado ou ocasional e passe a ser um dado generalizado e permanente. A produção de pobreza não pode aparecer como um fenômeno banal. A miséria de hoje é produzida politicamente pelas empresas e instituições globais.

Desde o início dessa reportagem, já se passaram cinco minutos e meio. Na contagem regressiva da fome, mais luto, mais uma perda. Nossa maior fortuna indo embora. Nosso óbvio tesouro esquecido em lugarejos e favelas.

Nenhum comentário: